terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Fica Comigo Esta Noite

“Posso ter inventado tudo, menos o fulgor perfeito dos nossos corpos juntos. Uma vida inteira não basta para apagar da pele o peso magnífico desse fulgor.”
“Pendurava-se das janelas verdes do museu a contemplar a dança da luz sobre o rio e falava interminavelmente. Parecia-lhe que ele quase nunca a ouvia, o que lhe dava vontade de ser sincera. Tão sincera que começou a depender dele para se conhecer a si própria.”
“Não sei quanto tempo passou desde que te comecei a acariciar a mão muito devagar. Fizemos amor em silêncio, não encontro outra forma de o dizer, fazer sexo é demasiado fabril, ter relações sexuais soa a livro de educação, mas a verdade é que agora dizer que fizemos amor tem demasiado peso, como se estas palavras estivessem a ser aspiradas para um sítio excessivamente escuro e sério dentro de nós, através do movimento do teu corpo no meu. Acordei sobre o teu umbigo imóvel, sorriste mas continuaste calada, um fio de água brilhava no teu rosto.”
“Não há portas para os territórios familiares da dor, não há como conter a violência dentro do ninho de uma pertença. Há apenas a dor, cintilando como um clarão no chumbo do céu, chuva de estrelas cadentes sem Historia nem mártires reconhecíveis. Porque há sempre uma noite mais escura do que a escuridão do mundo. Mesmo para quem, como eu, nunca soube escavar até ao fundo dessa gruta negra, trans-siberiana, húmida, universal, a que chamamos coração.” in Fica Comigo Esta Noite, Inês Pedrosa